Testimonial
Ana Paula Galvan ( Brazil )
Sábado, Septiembre 24, 2016 02:35:54 pm
Após os acontecimentos recentes da política nacional, lembro constantemente da minha viagem à Cuba. Não sei dizer se foi a melhor viagem que já fiz, até porque não gosto de classificar as coisas dessa forma, mas creio que certo amadurecimento político foi inevitável. Logo quando voltei ao Brasil, todas as pessoas que encontrei me perguntaram sobre a viagem, como era a rotina lá, a política, o bloqueio, a economia, as pessoas. Foi engraçado notar que lá me faziam as mesmas perguntas sobre o Brasil. Foram poucos os brasileiros que encontrei lá, poucos latino-americanos também. Porém, é indescritível o sentimento de país “hermano” que existe lá, coisa que você só encontra na América Latina. Senti a mesma coisa quando estive na Argentina e no Uruguai. Durante a viagem, ficamos nas casas de cubanos, eu, meu pai e minha irmã. Às vezes, eu sentava no sofá para assistir o noticiário junto com dono/dona da casa. O estilo dos jornais era o mesmo daqui, um homem de terno, sentado falando sobre a conjuntura política, econômica e social, porém de Cuba, Venezuela, Brasil (sim, eram notícias sobre o “impeachment” o tempo inteiro), Argentina e outros países “hermanos”. Perguntavam-nos se o processo de impeachment era constitucional, se o Mercosul aceitaria esse novo presidente, como ficaria a situação do povo, os programas sociais, perguntas que, as vezes, nem tinham passado pela minha cabeça. Sabe quem eram as pessoas que perguntavam? Os taxistas, atendentes da padaria, os vendedores ambulantes, os trabalhadores do trem, qualquer pessoa tinha uma boa noção política e econômica do seu país e do mundo.
Tenho diversas críticas ao governo Fidel, não posso afirmar que o povo cubano não passa dificuldades. Mas é um país que busca o melhor dele sem se pautar nas ditas “nações desenvolvidas” e isso me surpreendeu muito. Quando eu comentava que tal medida funcionava em determinado país me respondiam: ah, mas aqui em Cuba é diferente, a gente tem que manter nossas raízes, nossas tradições, pensar no povo primeiro.
Lembro que um dia, na cidade de Trinidad, eu e meu pai estávamos procurando onde pegar o trem para ir visitar uma antiga fazenda tradicional de lá. Encontramos um grupo de cubanos que tinham recém saído do expediente e trabalhavam naquela linha. Nos informaram que o próximo trem só saía de manhã, e como de costume, nos perguntaram da onde éramos. Quando falei, responderam: ahh, brasileiros, hermanos né? Como está o Brasil? Respondi, porque tinha a resposta feita, de tanto que já tinha falado. Um deles me chamou num canto e falou: Deixa eu te perguntar uma outra coisa, aqui em Cuba nós assistimos muito as novelas brasileiras, muy buenas, me diz, aquela periferia brasileira, como é o nome mesmo? Ah, favelas, aquilo existe mesmo? Disse que sim. Ele ficou chocado, porque em Cuba, o povo não ostenta, mas ninguém passa fome não. No final, nos convidaram para almoçar na casa deles no domingo, um almoço simples, arroz, feijão e abacate.
Aquilo me deixou pensando por dias e dias, como posso ir a outro país, tão diferente e sentir aquela nostalgia, diria um pouco triste, de reconhecer no mesmo povo, os mesmos problemas, e felizmente, o mesmo carinho, a mesma atenção. O ódio que o brasileiro sente por Cuba é o ódio que ele sente pelo seu próprio povo.
Fiz grandes amizades lá. Uma amiga muito querida, Irina, nos ajudou a vigem inteira, com hospedagem, alimentação, informações. Jantamos em sua casa numa noite, a convite dela e de sua mãe. Conversamos por horas sobre a política nacional, ela me mostrou alguns exemplares de revistas (Veja e Carta Capital) que alguns brasileiros mandaram para ela. Quando nos despedimos, ela me presenteou com alguns livros sobre Che (tanto eu quanto ela mantemos uma grande admiração por ele) e alguns jornais sobre o aniversário de Fidel, que aconteceu quando estávamos lá. Chegou a comentar que queria nos levar a alguns espetáculos que iam acontecer para comemorar os cupleaños do comandante, mas, infelizmente eram só para cubanos. Essa semana ela me mandou um email perguntando se eu já tinha ido morar na Espanha e como estava meu papi e minha hermana.
Na nossa última manhã em Havana, algumas horas antes de irmos para o aeroporto, o sr. Alvaro e a sra. Hilda, os donos da casa em que estávamos hospedados, fizeram uma surpresa. Pediram que após o café da manhã nós os esperássemos na sala sentados e de olhos fechados. Para minha irmã, deram um livro de discursos de Fidel sobre o meio ambiente, pois ela faz Biologia. Para mim, que perguntava o tempo todo sobre a história de Cuba, deram um livro usado nas escolas, encomendado e revisado pelo próprio Fidel sobre a história cubana desde antes da independência. E para meu pai, mais interessado no comandante do que qualquer outra coisa, deram o livro “Cien Horas con Fidel” do jornalista Ignacio Ramonet. Disseram que estavam esperando fazia algum tempo, hóspedes com esse interesse em Cuba para dar esses presentes. Como se os livros estivessem a nossa espera esse tempo todo. O sr. Alvaro foi professor na Sierra Maestra, quando Che Guevara criou o projeto de alfabetização dos camponeses. Conheceu a sra. Hilda na universidade. Eles viveram a revolução, assim como todos os cubanos, que vivem e escrevem a história de Cuba a cada dia, e diferentemente de qualquer outro país que eu conheci, sabem disso.
Durante toda minha viagem, uma música ficou na minha cabeça. Composta pelo argentino Athaualpa Yupanqui, cantada pela chilena Violeta Parra, pela argentina Mercedes Sosa e também pela brasileira Elis Regina, chamada Los Hermanos. Em uma de suas estrofes, ela diz: “Yo tengo tantos hermanos, que no los puedo contar, y una hermana muy hermosa, que se llama liberdad”.
Seguimos em frente, adelante. Seguimos lutando.
Viva a América Latina!
Tenho diversas críticas ao governo Fidel, não posso afirmar que o povo cubano não passa dificuldades. Mas é um país que busca o melhor dele sem se pautar nas ditas “nações desenvolvidas” e isso me surpreendeu muito. Quando eu comentava que tal medida funcionava em determinado país me respondiam: ah, mas aqui em Cuba é diferente, a gente tem que manter nossas raízes, nossas tradições, pensar no povo primeiro.
Lembro que um dia, na cidade de Trinidad, eu e meu pai estávamos procurando onde pegar o trem para ir visitar uma antiga fazenda tradicional de lá. Encontramos um grupo de cubanos que tinham recém saído do expediente e trabalhavam naquela linha. Nos informaram que o próximo trem só saía de manhã, e como de costume, nos perguntaram da onde éramos. Quando falei, responderam: ahh, brasileiros, hermanos né? Como está o Brasil? Respondi, porque tinha a resposta feita, de tanto que já tinha falado. Um deles me chamou num canto e falou: Deixa eu te perguntar uma outra coisa, aqui em Cuba nós assistimos muito as novelas brasileiras, muy buenas, me diz, aquela periferia brasileira, como é o nome mesmo? Ah, favelas, aquilo existe mesmo? Disse que sim. Ele ficou chocado, porque em Cuba, o povo não ostenta, mas ninguém passa fome não. No final, nos convidaram para almoçar na casa deles no domingo, um almoço simples, arroz, feijão e abacate.
Aquilo me deixou pensando por dias e dias, como posso ir a outro país, tão diferente e sentir aquela nostalgia, diria um pouco triste, de reconhecer no mesmo povo, os mesmos problemas, e felizmente, o mesmo carinho, a mesma atenção. O ódio que o brasileiro sente por Cuba é o ódio que ele sente pelo seu próprio povo.
Fiz grandes amizades lá. Uma amiga muito querida, Irina, nos ajudou a vigem inteira, com hospedagem, alimentação, informações. Jantamos em sua casa numa noite, a convite dela e de sua mãe. Conversamos por horas sobre a política nacional, ela me mostrou alguns exemplares de revistas (Veja e Carta Capital) que alguns brasileiros mandaram para ela. Quando nos despedimos, ela me presenteou com alguns livros sobre Che (tanto eu quanto ela mantemos uma grande admiração por ele) e alguns jornais sobre o aniversário de Fidel, que aconteceu quando estávamos lá. Chegou a comentar que queria nos levar a alguns espetáculos que iam acontecer para comemorar os cupleaños do comandante, mas, infelizmente eram só para cubanos. Essa semana ela me mandou um email perguntando se eu já tinha ido morar na Espanha e como estava meu papi e minha hermana.
Na nossa última manhã em Havana, algumas horas antes de irmos para o aeroporto, o sr. Alvaro e a sra. Hilda, os donos da casa em que estávamos hospedados, fizeram uma surpresa. Pediram que após o café da manhã nós os esperássemos na sala sentados e de olhos fechados. Para minha irmã, deram um livro de discursos de Fidel sobre o meio ambiente, pois ela faz Biologia. Para mim, que perguntava o tempo todo sobre a história de Cuba, deram um livro usado nas escolas, encomendado e revisado pelo próprio Fidel sobre a história cubana desde antes da independência. E para meu pai, mais interessado no comandante do que qualquer outra coisa, deram o livro “Cien Horas con Fidel” do jornalista Ignacio Ramonet. Disseram que estavam esperando fazia algum tempo, hóspedes com esse interesse em Cuba para dar esses presentes. Como se os livros estivessem a nossa espera esse tempo todo. O sr. Alvaro foi professor na Sierra Maestra, quando Che Guevara criou o projeto de alfabetização dos camponeses. Conheceu a sra. Hilda na universidade. Eles viveram a revolução, assim como todos os cubanos, que vivem e escrevem a história de Cuba a cada dia, e diferentemente de qualquer outro país que eu conheci, sabem disso.
Durante toda minha viagem, uma música ficou na minha cabeça. Composta pelo argentino Athaualpa Yupanqui, cantada pela chilena Violeta Parra, pela argentina Mercedes Sosa e também pela brasileira Elis Regina, chamada Los Hermanos. Em uma de suas estrofes, ela diz: “Yo tengo tantos hermanos, que no los puedo contar, y una hermana muy hermosa, que se llama liberdad”.
Seguimos em frente, adelante. Seguimos lutando.
Viva a América Latina!